O mercado de cartões está na mira do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e um processo que investiga a integração vertical no setor entre bancos, operadores de cartão e credenciadoras pode ser aberto em breve, apurou o Valor. O inquérito apura se há problemas concorrenciais com Elo, Alelo, Cielo, Banco do Brasil, Bradesco, Hipercard, Ticket, Redecard e Itaú Unibanco e Ticket.
A investigação, iniciada em 2015, ganhou tração recentemente e deve virar um processo formal provavelmente no primeiro semestre deste ano. No cerne do processo estão relações de exclusividade entre bancos, bandeiras de cartão e credenciadoras (as marcas das máquinas de cartão) e varejistas. "Estaria havendo discriminação por parte de alguns bancos, sobretudo aqueles vinculados às credenciadoras líderes de mercado, na leitura da agenda de recebíveis das credenciadoras menores, novas entrantes", diz a nota técnica do inquérito.
Na prática, isso significa que as credenciadoras cobrariam a exclusividade do uso de sua máquina, excluindo assim competidoras independentes que chegaram recentemente no mercado. Para tanto, seriam assinados contratos com os varejistas garantindo que outras máquinas não seriam usadas. Em troca, seriam oferecidos incentivos possíveis a partir da relação entre credenciadoras e bancos proprietários dessas empresas, o que poderia caracterizar uma venda casada e um subsídio cruzado.
A lei de concorrência prevê que um inquérito do Cade pode ser arquivado caso não sejam encontradas evidências suficientes do ilícito. Isso não deve acontecer neste caso. Outra possibilidade é a negociação de um acordo entre empresas e autoridade antitruste para encerrar o processo. Não há evidências no sistema público do Cade de que isso estaria acontecendo.
Sendo assim, o destino provável do inquérito é se tornar um processo administrativo formal, o que aprofundará as investigações para posteriormente chegar ao tribunal da autarquia. A lei prevê ainda a possibilidade de medidas preventivas que podem ser tomadas antes de uma decisão final caso o Cade entenda que há um ilícito concorrencial em andamento.
O presidente da União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços (Unecs), Paulo Solmucci, acredita que a prática das empresas investigadas é ilegal e espera que o Cade tome uma "medida eficaz para tirar validade dos contratos [firmados com varejistas]". De acordo com ele, os contatos visaram varejistas com faturamento entre R$ 50 mil e R$ 1,5 milhão, considerados "o filé do mercado". "O cliente muito grande não aceita esse tipo de prática. Os pequenos demais não correram atrás porque não vale a pena", analisou.
Solmucci apontou que as empresas teriam se antecipado ao fim da exclusividade existente entre bandeiras e credenciadoras e firmaram os contratos com os lojistas enquanto a mudança no setor não vinha. "Não queremos apenas que eles cessem a prática, queremos que tornem nulos todos os contratos desse tipo, porque foram feitos no oportunismo que eles mesmo criaram ao enrolar o Banco Central", disse.
Procurado, o Itaú reiterou que tem colaborado com o Cade. "O Itaú Unibanco informa que tem colaborado com o Cade mediante o fornecimento de informações e esclarecimentos sobre as práticas adotadas. O banco reitera, ainda, seu compromisso com a livre concorrência de mercado", disse, em nota, o banco.
Já a Cielo informou que não consta nos autos como parte da investigação do inquérito 08700001860/201651, aberto pelo Cade. Ainda assim, no âmbito dessa investigação, a companhia foi solicitada a prestar esclarecimentos, respondendo aos questionamentos do órgão regulador. A Cielo informou ainda que permanece à disposição para eventuais novas solicitações.
A Alelo informa que o inquérito do Cade envolvendo a companhia já foi arquivado e, de acordo com o próprio órgão, não foi apurada nenhuma irregularidade. Já a Ticket afirma que foi a primeira empresa do segmento a aceitar seus cartões pelas maiores adquirentes no setor. Por isso, após os esclarecimentos prestados, o Cade arquivou a investigação com relação à Ticket, disse a empresa. A Elo informou que permanece à disposição das autoridades competentes para fazer qualquer esclarecimento que se faça necessário.
Fonte: Valor Econômico